Exposição - História da Língua Portuguesa

Trouxemos à nossa escola a Exposição Itinerante sobre a História da Língua Portuguesa.

Esteve na escola de San Jorge de Alor entre os dias 2 e 14 de Junho.

Esta exposição itinerante, é um conjunto de imagens com textos que, apresenta a história e evolução da língua desde aparecimento e suportes utilizados na escrita, a escrita como arte e poder, passando pelas expansões,até aos novos usos e instrumentos ao serviço da língua.

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3 comentários:

  1. Anónimo Says:

    Assunto HISTÓRIA E SONETOS COMPLETOS DUM POETA ALENTEJANO DO REINADO DE D.JOÃO V
    HISTÓRIA E SONETOS COMPLETOS DUM POETA ALENTEJANO DO REINADO DE D.JOÃO V
    CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, UM ALENTEJANO NA CORTE DE D.JOÃO V E UMA FIGURA POPULAR DE LISBOA
    Caetano Jozé da Sylva Sotomayor (ortografia antiga), modernamente um quase desconhecido, nasceu muito provavelmente em 1694, filho de Gaspar da Silva Moniz, "Provedor dos Reynos" e de Isabel Teresa Sotomaior, Dama da Rainha D. Maria Ana da Áustria, esposa de D. João V. Faleceu em 18 de Agosto de 1739.
    Note-se que, entre as famílias nobres, e até ao Século XIX, o apelido de pai precedia o de mãe em Portugal, tal como sucede ainda hoje em Espanha.
    Souto-Maior (usando agora a ortografia moderna ) era conhecido, no seu tempo, por "Camões do Rossio". A sua popularidade no Corte de D. João V, e principalmente em Lisboa, deixou rastos, inclusivamente na Literatura. Inácio Feijó e Almeida Garrett escreveram uma comédia intitulada "O Camões do Rossio", o que dá uma idéia de quão conhecido era e de que forma era visto como representando toda uma época. O seu nome foi dado ao actual Largo D. João da Câmara, em frente da Estação do Rossio, até que, na década de 1930, um vereador da Câmara de Lisboa, ignorante, pensando que tal "Camões" se referia ao imortal poeta Luís de Camões, mandou substituir o topónimo, com o argumento de que jà existia em Lisboa uma Praça Luís de Camões. Note-se ainda que Souto-Maior é visto por Feijó e Garrett só como filho de uma época que para eles, liberais, era símbolo de tirania e mediocridade, e, logo, é considerado uma figura ridícula. Um claro exagero, desculpável no contexto das paixões do Sé










    culo XIX.
    Souto-Maior, alentejano, nascido em Olivença, era doutorado em Direito Canónico pela Universidade de Coimbra, tendo começado, todavia, por estudar Latim, em Lisboa, com o Padre Manuel de Abrantes. A 14 de Abril de 1721, fez exame no Desembargo do Paço e foi nomeado Juíz dos Órfãos do Termo de Lisboa. Foi depois Juíz do Crime do Bairro da Mouraria, e, finalmente, Corregedor do Bairro do Rossio de Lisboa desde 3 de Outubro de 1737. Neste cargo o surpreendeu a morte, na sua casa no mesmo Rossio, em 1739.
    Os seus ditos, chistosos, grangearam-lhe cedo a fama de poeta excepcional. Daí que, em Lisboa, o tenham apodado "Camões do Rossio".
    Homem da Corte de D. João V, foi um dos favoritos deste soberana, entre outras coisas pelo seu versejar fácil e jocoso... o que fazia dele um alentejano bem típico... ou talvez um antecessor do tipo de alentejano moderno, poeta perante a vida.
    Curiosamente, muitos dos seus versos conservam-se...manuscritos ! J. M. da Costa e Silva, no final di século XIX, dedicou-lhe um estudo, onde se pode ler, entre outras coisas, que "avultam entre os seus poemas os sonetos, que são em geral bem pensados, fortes de expressão, e bem versificados, não tendo que invejar aos melhores dos poetas seus contemporâneos; foi, sem dúvida, um dos mais distintos discípulos da escola gongórica/barroca, e, como tal, mais por culpa do século do que por falta de talento, transpôs às vezes os limites do Bom Gosto."
    Não é muito apreciado modernamente o estilo gongórico, considerado demasiado "pesado", pela adjectivação excessiva, pelo exagero das metáforas, pela excessiva preocupação com a forma...esvaziando o conteúdo... e escondendo demasiadas vezes a mediocridade artística de alguns e a genialidade de outros. Todavia, muitos destes ataques e caracterizações a esse estilo provêm de homens das épocas literárias imediatamente posteriores, os quais, na ânsia de porem em causa os valores que os tinham precedido, muitas vezes não foram imparciais... misturando o trigo com o joio.
    Caetano José da Silva Souto-Maior era famoso pelas suas anedotas, ajudadas, digamos assim, pelo seu aspecto físico, pois era muito baixo e gordo, "com um rosto redondo de uma expressão estranha, e ornado de uns óculos de um modelo desproporcionado". Os seus ditos engraçados e os seus versos em forma de epigrama tornaram-se uma delícia para os membros da Corte. Por outro lado, receavam atacá-lo, pois as suas respostas, muitas vezes em verso, nomeadamente em sonetos, podiam ser demolidoras.
    O seu aspecto de crítico implacável ressalta de dois poemas típicos que se seguem. No primeiro, satiriza o Monteiro-Mor do Rei, coronel de um regimento, que era muito cruel para com os seus subordinados... talvez para compensar o facto de ser zarolho...
    Coronel Satanás, Fernão zarolho,
    cruel hárpia das que o abismo encerra,
    na empresa de afligires esta terra
    de que serve o bastão, se tens esse olho?

    Vai-te deitar na granja de remolho
    onde o vilão, porque o escorchas, berra;
    pois não é para o ilustre ardor da Guerra
    "abobra" com feitio de repolho.

    Se soubeste juntar com força rara,
    sendo em ti o prender genealogia,
    de galinha o louvor, de mono a cara,

    anda, prende, e ateima na porfia,
    pois em Aldegavinha tens a vara
    e n`Ásia, em Cananor, a Feitoria.

    No outro verso (também soneto ), o "Camões do Rossio" critica um Pregador da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida.
    Tal sermão, e tão grande, e sem parelha,
    do nosso Reverendo Frei Palrilha,
    será d`asnos oitava maravilha
    por somente constar de muita orelha.

    Eu quando o vi com cara tão vermelha,
    dizendo as asnidaddes em quadrilha,
    sem reparar nos calos de servilha,
    julguei tuo fumaças da botelha.

    Se o Sermão se pregasse na Pampulha,
    de toda a marotice a vil canalha,
    metera muito embora o Frade a bulha;

    mas eu venho a inferir nesta baralha
    uqe o tal frade a todos nos empulha
    ou ele certamente come palha.

    Note-se que o "Camões do Rossio", apesar do seu espírito folgazão e "satirizante", era "um erudito de valor, muito estudioso e conhecedor das leis". O Padre D. Manuel Caetano de Sousa, em 1720, escolheu-o para ser membro da Academia Real de História, ao lado de 49 pares. Foi encarregado de escrever as "Memórias Eclesiásticas do Bispado de Leiria". Regularmente, publicava relatórios dos seus estudos académicos, e era assíduo nas reuniões convocadas na Academia, ou noutras instituições. Deixou escritas ( e algumas ainda não publicadas várias obras de carácter jocoso, e até uma colecção de Sonetos Cómicos. Escreveu também composições muito "sérias", como "Epicédios na Morte da Serníssima Senhora D. Francisca, Infanta de Portugal", "Glória de Erice: Epitalâmio ao casamento dos Ex.mos Snrs. D. Francisco Xavier de Meneses e D. Maria José da Graça e Noronha", "Óperas de Metastásio (tradução)", "Catálogo dos Bispos de Leiria", "Contas dos Estudos Académicos do Paço", e "Silva e










    Romance ao ser reeleita Abadessa de Santa Clara de Lisboa a Madre D. Margarida Bautista". Num estilo completamente diferente, a que adiante se fará ampla referência, terá escrito "A Martinhada".
    Caetano José tinha mesmo alguma qualidade. Afinal, ele nem sequer escreveu principalmente poemas satíricos, como veremos nos dois sonetos seguintes.
    O primeiro destinava-se a uma Dama da Corte, e procurava convencê-la a viver a vida, e a não continuar doentiamente a chorar em frente a uma pintura que representava a sua mãe falecida.
    Senhora, esse retrato, esse portento
    tanta saudosa dor nunca alivia,
    que a memória da amada companhia
    não melhora, duplica o sentimento.

    Lembrado, o bem perdido é mal violento,
    e ofende essa pintura a fantasia.
    Não pode ser remédio, é tirania
    fazer parcial do dano o entendimento.

    Fugi dessa belíssima aparência
    que o pranto justamente vos persuade
    que as lágrimas fez crédito de ausência.

    E o vosso amor, das cores na verdade,
    há-de achar, para abono da impaciência,
    a formosura unida co`a saudade.

    O outro punha Afonso de Albuquerque, numa atitude generosa. O polémico guerreiro teria deixado perderem-se num naufrágio muitas riquezas para salvar uma menina indiana de ser tragada pelas águas. É supostamente Albuquerque que fala, dirigindo-se ao mar.
    Não assustes, oh bárbaro elemento,
    a inocente, que tenho ao peito unida,
    que a glória desta acção compadecida
    respeita até das ondas o violento.

    Tu logras o furor, eu logro o intento
    de ficarmos com sorte repartida.
    Asilo nobre de uma tenra vida
    sepulcro avaro de ouro macilento.

    Se tenho a varonil integridade,
    que consegues no horror dessa inclemência
    ou que importa a infeliz calamidade ?

    Quando fica no exemplo da violência
    desprezado o interesse da piedade
    e vencida a desgraça da inocência.

    D. João V mostrou ter grande predilecção pelo jocoso juíz académico, consentindo-lhe o que a outros não consentiria... como veremos. Caetano José, sentindo-se apoiado pelo Rei, aproveitava-se disso para fazer várias "travessuras" que, em última análise, divertiam a Corte.
    Algumas vezes acompanhou o Soberano, que apreciava a sua companhia, nomeadamente ao Convento de Odivelas, onde estava a amante do Rei (Madre Paula) e onde este, divertido, punha o seu matreiro versejador, com os seus poemas inigualáveis e a sua alegria irónica, em confronto com "a audácia travessa de algumas freirinhas também dadas à poesia"...
    Enquanto magistrado, era conhecido como uma pessoa correcta e íntegra no cumprimento dos seus deveres, sendo muitas vezes encarregado de importantes e difíceis missões oficiais. O poeta sabia, com graça, fazer-se perdoar pelo Rei quando agia de forma menos convencional.
    Pelas histórias que dele se contavam, podemos considerá-lo como uma espécie de Bocage prematuro, no que deste se mitificou quase sempre sem fundamento. Contavam-se histórias divertidas sobre respostas prontas, cheias de inteligência ( e em verso ) dades por Caetano José em situações embaraçosas, ou perante gente com más intenções. Entre tudo isto, o povo de Lisboa considerava-o como um dos poucos magistrados honestos que nela tinham exercido cargos.
    Dois episódios, referidos por José Maria da Costa Silva ("Ensaio biographico-crítico sobre os Melhores Poetas Portugueses", 1855), destacam-se de muitos outros.
    O primeiro refere-se a uma ordem de prisão que Caetano José, enquanto Corregedor, teve de fazer cumprir, ainda que fosse amigo do perseguido. Este, vendo a sua casa cercada, refugiou-se no telhado, donde não houve maneira de o fazer descer. Caetano José vislumbrou no facto uma esperança, e cooreu ao Paço, onde, com um ar inocente, e sem entrar em razões, perguntou a D. João V se considerava que governava só das telhas para baixo, ou se também das telhas para cima. O Rei, algo intrigado, respondeu que naturalmente das telhas para cima "só Deus tinha Domínio". O Corregedor e poeta agradeceu, e, correndo a juntar-se aos seus homens, mandou levantar o cerco "por sugestão d`el-Rei", salvando assim o amigo. O Rei acabou por achar graça à astúcia, e perdoou.
    Mas Caetano José tinha também espírito crítico, e talvez até alguma consciência social, como se verá no segundo episódio.
    Numa noite, o Corregedor procurava, com um marido desesperado, um confessor para a esposa deste, que estava a morrer. Na Casa Professa dos Jesuítas, em São Roque, foi-lhe dito que os Padres da Companhia não podiam sair, fosse para o que fosse, depois das Avé-Marias, ao entardecer. Foi preciso procurar um Padre de outra Ordem.
    Ferido com o que considerou uma indignidade, vingou-se Caetano José dias depois, ao encontrar dois jesuítas na rua por volta das duas da noite. Deu-lhes ordem de prisão, apesar dos protestos e dos hábitos que vestiam e para os quais chamaram a atenção. Na manhã seguinte, foi chamado ao Paço, onde o Prelado dos Jesuítas, indignado, reclamava justiça junto de D. João V. Respondeu-lhes o Corregedor dizendo que se convencera estar diante de dois ladrões disfarçados de Jesuítas, por saber que os Padres dessa Ordem não saíam de noite, nem sequer para uma confissão de uma moribunda. O Rei, algo divertido, deu ordem de libertação. Caetano José procedeu à mesma de imediato, o que era também uma vingança, pois assim o povo da Capital viu sair da vergonhosa prisão, furiosos, os dois frades, o que era uma humilhação para uma Ordem que pretendia dar exemplos a toda a gente.
    As já referidas semelhanças com Bocage foram também a maior maldição do "Camões do Rossio". O nosso Caetano José resolveu "publicar"(se é que dele partiu a iniciativa...), anónima e clandestinamente, uma obra onde entravam prostitutas, pedintes, poetas de rua, vagabundos, e ladrões. Tratou-se de "A Martinhada", que era, nem mais nem menos, que um poema épico-cómico-erótico satirizando a sensualidade brutal de Frei Martinho de Barros, o confessor de D. João V durante algum tempo, tido como femeeiro insaciável... e de quem se dizia ser possuidor de um atributo viril de dimensões colossais.
    Nunca se provou ser ele de facto o autor, mas a certeza foi quase absoluta. No seu tempo, tal não abonou em seu favor, e tal obra valeu-lhe o desprezo dos críticos do Século XIX ( e mesmo de parte do XX), "em cujos hábitos de leitura não entravam devassidões nem leviandades"... pelo menos publicamente. Curiosamente, quase todos tecem discretos elogios ao poema e às capacidades e génio do autor, todos surpreendidos por ser precisamente nele que se encontram algumas das melhores demonstrações do "estro" de Caetano José... pela simples razão, opina-se hoje, de, num texto de tal teor, semi-anónimo, o autor não ter sido obrigado a sujeitar-se à moda literária da época.
    Dir-se-ia que uma espécie de anátema ficou a rodear o "Camões do Rossio". Uma manifesta injustiça rodeia o quase esquecimento em que caiu. Não tinha, decerto, o génio de um Bocage. Mas, numa última comparação com este, pergunta-se: o que seria de Bocage, um dos maiores poetas portugueses por todos reconhecido, se, em nome das suas obras eróticas, se silenciasse toda a sua obra ?
    Não se deveria esquecer também que quase todos os grandes poetas e escritores em geral, como se sabe hoje, em qualquer momento da sua vida, caíram na tentação de produzir textos eróticos...
    A morte de Caetano José, com cerca de 45 anos, foi bastante sentida, nomeadamente pelo povo de Lisboa, que o sentia como um dos seus,e que, mais de cem anos depois, ainda o recordava. À data em que faleceu, não lhe faltaram louvores, nomeadamente de outros poetas. Recorde-se apenas um soneto do Padre Francisco Ribeiro de Miranda.

    Em louvor do "Camões do Rossio"
    (À sua morte...)

    Não chores Portugal a sorte escura,
    reprime a dor, suspende na saudade,
    porque da bela Infanta a divindade
    já triunfa imortal da Parca dura.

    Dessa Silva a elegante arquitectura
    lê, e verás como hoje te persuade,
    que viva existe para a eternidade
    contra estragos da morte, e sepultura.

    Esta obra, ó Orfeu esclarecido,
    de objecto singular, e fama altiva,
    mais que todos te deixa enobrecido:

    pois vencendo o poder da Parca esquiva,
    faz que a cinza o cadáver reduzido
    de espírito animado, eterno viva.

    Pela sua genialidade, pela sua dedicação a Lisboa, pelos anátemas que o seu nome tem sofrido, pela simpatia de que gozava entre a população da Capital Portuguesa, pareceria bem justa, só pecando por tardia, a atribuição do seu nome a um qualquer topónimo da urbe onde viveu e morreu... mesmo por que na sua terra natal parece também estar cada vez mais esquecido.
    Estremoz, texto revisto em 12 de Março de 2006,
    Carlos Eduardo da Cruz Luna,
    Rua General Humberto Delgado, 22, r/c 7100-123-ESTREMOZ (Portugal) 268322697 939425126
    Prof. História carlosluna@iol.pt

    BIBLIOGRAFIA:
    - Ensaio biographico-crítico sobre os melhores Poetas Portugueses- José Maria da Costa e Silva, 1855
    - A Corte de D. João V- Pinheiro Chagas
    - O Camões do Rossio- Inácio Maria Feijó/Almeida Garrett
    - O Voador- Francisco Maria Bordalo
    - A Martinhada (Camões do Rossio)- Colecção Contramargem, edições "& etc", Janeiro 1982
    - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1960
    - Dicionário de História de Portugal - Vol. III, Alfa, 1986
    - Dicionário da Literatura Portuguesa, Ed. Presença, org. Àlvaro Manuel Machado, 1996
    - Do Pícaro na Literatura Portuguesa- João Palma Ferreira, 1981, Bibl. Breve- Inst. Cult. e Língua Port.
    - Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Publ. Europa-América, Inst. Port. Livro, vol. 1, 1985
    - Colecção Portugal Histórico, vol. 6 (D. João V, Rei Absoluto), Fernando Mendes, Ed. Romano Torres, 1935 (?)



    SIMPLES CURIOSIDADE HISTÓRICA: SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    Soneto dedicado à mártir cristã Santa Bárbara, quando era despida pelos seus algozes

    Virgem bela, não julgues tirania
    ser despojada desse adorno insano;
    não se cobre um planeta mais que humano
    e despido aparece à luz do dia.

    Toda espírito o orbe te advertia,
    e o decreto infalível do tirano,
    mostrou que em ti, com raro desengano,
    no mortal o imortal não se encobria.

    A beleza, em que o véu ditas apura
    desprezando essas galas infelices (*),
    brilha triunfante, resplandece pura.

    Jesus foi, não violento que existisses
    sem manchas no esplendor da formosura,
    porque vestido o Sol padece eclipses.
    ___________
    (*)Forma moderna: infelizes

    Soneto a D. João V (o Rei !), mandando celebrar exéquias do Papa Clemente XI

    Túmulo excelso a régia potestade
    na morte erige do Pastor Romano,
    qu`o afecto do Monarca Lusitano
    excede a vida, e chega à eternidade.

    No sentimento empenha a majestade,
    pois vendo que da Parca o raio insano
    profanou o alto Sólio Vaticano
    a obediência converte hoje em piedade.

    Das cinzas frias à memória rara,
    na funesta, magnífica estrutura,
    Triunfo, ´inda que fúnebre, prepara.

    Pois nesse altivo mausoléu procura
    que pareça o respeito da tiara
    ornato, e não despojo, à sepultura.

    Soneto dirigido ao príncipe, por ocasião do beija-mão

    Da Líbia ardente o morador adusto
    teme o ver-me, senhor, de vós honrado,
    pois nessa mão se admira vinculado
    de Lísia (*) o bem, da Mauritânia o susto.

    Receia que esse braço, sempre augusto,
    dos portugueses todos adorado
    seja com vaticínio antecipado
    pródigo de valor triunfante, e justo.

    Conhece que os turbantes orgulhosos
    cheguem, senhor, a ter tantos perigos
    quantos tendes agrados decorosos.

    Publique a minha dita os seus castigos,
    que a mão, que fez vassalos venturosos
    é o mais certo terror dos inimigos.
    ___________
    (*) figura mitológica greco-latina

    Soneto a uma Senhora nobre que fugiu para Espanha com um Marquês, tendo-se depois arrependido e recolhido a um Convento

    Esse claustro, em sagrada penitência,
    pio te esconda, oh bela criminosa,
    econverta-se em sombra a luz formosa
    que ardeu nos sacrifícios da indecência.

    Tolera da prisão toda a violência,
    perdida já a nobreza generosa,
    fique ainda entre a culpa indecorosa,
    benemérita, ao menos a paciência.

    Principia a morrer nessa clausura,
    encobrindo um descrédito infinito
    no antecipado horror da morte obscura.

    Mas, oh!, se em ti, por último conflito,
    como vai sendo a vida sepultura,
    chegasse a ser cadáver o delito!

    Segue-se um poema que NÃO É DE CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, mas sim de Francisco de Pina e Melo, elogiando o Escurial e o Panteão dos reis de Espanha. Tem interesse, porque Caetano José fará outro em relação com este.

    Que intenta esta soberba arquitectura
    com tão régio, marmóreo luzimento?
    Se mostra aqui distinto o nascimento,
    erra, que é tudo igual na sepultura.

    Por mais que doure a face à morte escura
    nunca há-de desmentir o monumento;
    que vale o resplendor do fingimento
    aonde existe a sombra da figura?

    Quanto mais se mostrar engrandecido
    maior espelho oferta à vaidade
    vendo-se como é, não como ha(*) sido.

    Pois de que serve a fúnebre deidade,
    se ainda para objecto do sentido
    primeiro está o horror que a majestade?

    ___________
    (*) arcaísmo já pouco habitual no século XVIII.

    Caetano José fez o seguinte poema como resposta:

    Padrões dedica a infausta arquitectura
    à majestade a cinzas reduzida,
    que sempre da grandeza destruída
    alguma parte nas relíquias dura.

    Da régia dignidade a sombra escura
    até no último horror "esclarescida",
    se não chega a eximir do estrago a vida
    pode honrar no diadema a sepultura.

    Na urna o ceptro, melhorado o efeito,
    faz com que triste advirta o peito humano
    as cinzas, que se intimam no preceito.

    Que importa pois que brilhe o jaspe ufano,
    onde toda a vaidade é só respeito,
    e é somente respeito o desengano?

    Poema a uma dama que foi ingrata com o seu amante e que chorava muito por o ver ofendido (nota: este poema não foi publicado no século XIX, nem no XX, por ser considerado, sabe-se lá porquê hoje em dia, erótico!)

    Tarde de ingratidão, Clori(*), despertas,
    pois, trocando à piedade hoje o conceito,
    se ofendeste com erros o meu peito,
    sentindo os meus estragos, desacertas.

    Vê que em mim podem ser penas mais certas
    feridas d`alma, que, com nobre efeito,
    o coração em lágrimas desfeito
    pelos olhos te mostras sempre abertas.

    Se entre chamas terríveis me arrebatam
    de amor, e emulação ardentes lumes,
    pouco, oh Clori(*), outras queixas me maltratam.

    Erras, se morto acaso me presumes,
    que imortal devo ser, poi não me matam
    nem os teus olhos, nem os meus ciúmes.
    ________
    (*) Clori: deusa grega das flores; significa "a mulher".

    Soneto a uma dama "rigorosa", na qual se notam paixão e melamcolia.

    Divina, Filis(*) bela, eu te agradeço
    dos teus rigores a contínua instância,
    que antes, meu bem, da minha tolerância
    não merecia o mesmo, que mereço.

    Se o meu pesar do teu desdém foi preço,
    que adquiriu entre penas a constância,
    não quero a dita, quero a só jactância
    de que me deves tudo o que padeço.

    Não tenho nem temor, nem resistência
    aos males, a que o peito não repugna,
    indistinta a paixão, e a paciência.

    Hoje até a glória me será importuna,
    e amor, que fez costume da violência
    fará também desprexo da fortuna.
    ________
    (*) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final INFELIZ.

    Soneto a uma dama que disparou um tiro (!!!!) contra uma imagem de cupido, num acesso de despeito...amoroso, claro!

    Do seio de Vulcano(*) um golpe ardente
    dispara Filis(**) contra a seta(***) ervada,
    de um Cupido, que deixa por cortada
    alfaia inútil, se troféu pendente.

    Mas não foi esta acção porque hoje intente
    Filis(**) mostrar-se contra Amor irada,
    foi saber se frustrara, estando armada,
    golpe que o abismo teme, e que o céu sente.

    Rendeu-se Amor ao tiro, e as armas logo
    oferta a Filis(**) no mortal desmaio,
    em que acha o rendimento desafogo.

    Por que se veja no primeiro ensaio,
    que se dos corações Amor é fogo,
    das almas, e do Amor, Filis(**) é raio!
    ___________
    (*) Vulcano: Deus do fogo entre os romanos
    (**) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final INFELIZ.
    (***)ATENÇÃO: em português, "seta" significa FLECHA !!!

    SONETO dedicado a uma senhora que charava dias inteiros diante da pintura da mãe, falecida há pouco

    Senhora, esse retrato, esse portento
    tanta saudosa dor nunca alivia,
    que a memória da amada companhia
    não melhora, duplica o sentimento.

    Lembrado, o bem perdido é mal violento,
    e ofende essa pintura a fantasia;
    Não pode ser remédio, é tirania
    fazer parcial do dano o entendimento.

    Fugi dessa belíssima aparência,
    queo pranto justamente vos persuade
    que as lágrimas faz crédito de ausência.

    E o vosso amor, das cores na verdade,
    há-de achar, para abono da impaciência,
    a formusura unida com a saudade.

    SONETO a uma dama que enviou, zangada, ao poeta, uns escritos que deste recebera... e que ele queimou.

    Morrei, doces despojos, que algum dia
    fostes de Clori(*) persuasão gloriosa,
    que a chama, ainda que triste, venturosa,
    vai conservar no fogo a idolatria.

    Para desprezo ser de Clori ímpia
    basta arder nessa luz pouco formosa,
    porque da chama, que é menos preciosa,
    não fica sendo a cinza menos fria.

    Não fostes cridos, viestes desprezados,
    e das iras de Clori como objectos
    sereis sempre uma injúria aos meus cuidados.

    Eu só posso mostrar nestes afectos,
    fazendo-vos agora desgraçados,
    que sois constantes, e que sois discretos.
    ______
    (*) Clóri: deusa grega das flores; a "Mulher".

    Poema a uma dama que o poeta não quis ver, depois dela ler alguns versos.

    Para venceres basta um só portento,
    pois não foram em tudo sempre claras
    as vitórias, se acaso acompanharas
    com outro encanto o numeroso acento.

    Se a minha vida, e o meu entendimento
    já dos teus versos são vítimas raras,
    serias, se o resplendor não retiraras
    menos avara, e eu menos atento.

    Outro espírito influi reverente
    se hás-de mostrar teu rosto esclarecido,
    que um, que tinha, está preso felizmente.

    Ou cesse o agrado harmónoco do ouvido,
    que hei-de expor a teus olhos indecente
    sem mais uma alma, ou menos um sentido.

    Soneto dedicado a Francisco Dionísio de Almeida, morto na juventude.

    Reduzir esta vida à ombra escura,
    na mais discreta, e mais florida idade,
    é da morte fatal temeridade
    com que infama os decretos da Ventura.

    Que avisos, ou que exemplos nos procura,
    se ofendido o discurso da impiedade,
    toda a ira, a que a perda nos persuade,
    faz esquecer o horror da sepultura?

    Inveja a Parca o raro entendimento
    que agora nos roubou, e ao golpe astuto
    sirva de injúria o mesmo monumento.

    Porque ´inda que o morrer seja estatuto,
    da saudade consegue o sentimento
    que pareça vingança o que é tributo.

    Soneto dedicado à morte do jovem fidalgo Marquês de Gouveia.

    Não extingue da morte o atrevimento
    em Múcio(*) excelso a ilustre heroicidade,
    muda-lhe só na iníqua austeridade
    os cultos do palácio ao monumento.

    Rendeu-lhe aclamações o orbe atento,
    e hoje o busca no túmulo a saudade,
    mas tão distinto o excesso na vontade
    quanto vai da lisonja ao sentimento.

    Mas intenta triunfar a morte dura,
    que o afecto triste do sepulcro fia
    na saudosa atenção à fé mais pura.

    A memória consagra a tirania,
    porque entregue a lembrança à sepultura
    faz sempre religiosa a idolatria.
    ________
    (*) Múcio: herói da Antiga Roma.

    Soneto dedicado à espada de Pedro Mascarenhas, nobre guerreiro, enfim no sossego da Paz.

    Pendurêa(*) entre louros infinitos
    Mascarenhas, o grande, a heróica espada:
    porque em ara imortal seja adorada,
    troque o mundo os assombros pelos ritos.

    Se inveja foi dos Césares invictos,
    deixe hoje na razão imaginada
    a série dos prodígios, que admirada
    não pode ser no ardente dos conflitos.

    Cause respeito, se causou desmaio,
    que admirado, e rendido eu já contemplo
    Pisuerga, Pirinéu, Ebro, e Moncaio.

    Descanse a espada, e a Fama no seu templo
    em ídolo converta o que foi raio,
    chegue a fazer deidade o que era exemplo.
    __________
    (*) arcaísmo.

    Soneto a Afonso de Albuquerque, conquistador português na Índia, numa ocasião em que, para salvar uma jovem indiana, deixou que se perdesse, num naufrágio, a carga preciosa.

    Não me alteras, oh mar, sempre violento
    na fúria destas ondas repetida,
    se estou, sendo remédio de uma vida,
    contra todo o furor deste elemento.

    Nos estragos me adquires novo alento,
    pois ficamos com glória esclarecida,
    eu assunto da fama encarecida,
    tu da riqueza avaro monumento.

    Pereça a oriental preciosidade,
    e exista a honra da feliz violência,
    que foi maior que a dita a adversidade.

    Porque fica, apesar desta inclemência,
    superado o interesse da piedade,
    e a desgraça vencida da inocência.

    Outro SONETO, dedicado ao mesmo tema do anterior SONETO AS UM SALVAMENTO MARÍTIMO, APÓS UM NAUFRÁGIO DE UMA JOVEM INDIANA POR UM GRANDE GENERAL PORTUGUÊS(O POETA IMAGINA SER O GENERAL)

    Não assustes. oh bárbaro elemento,
    a inocente, que tenho ao peito unida,
    que à glória desta acção compadecida
    respeita até das ondas o violento.

    Tu logras o furor, eu logro o intento
    de ficarmos com sorte repartida:
    asilo nobre de uma tenra vida;
    sepulcro avaro de ouro macilento.

    Se tenho a varonil integridade,
    que consegues no horror dessa inclemência,
    ou que importa a infeliz calamidade?

    Quando fica no exemplo da violência
    desprezado o interesse da piedade,
    e vencida a desgraça da inocência.


    Soneto ao Rei D. Pedro II, que, por ter morrido, não chegou a ver a sua própria estátua de pedra.

    Senhor, a vossa efígie venerada
    é por vós com razão desconhecida;
    porque ficou na cópia pareceda
    de reverente a pedra desmaiada.

    Que importa que do artífice lavrada
    pareça que o cinzel lhe infunde a vida,
    se a grandeza só pode esclarecida
    ser nas vossas vitórias retratada?

    Estranhais esta imagem justamente,
    se a luz original está diante,
    o reflexo perdeu-se de repente.

    ´Inda sendo o retrato semelhante,
    porque em chegando o Sol a estar presente,
    mudam sempre as estrelas de semblante.


    SONETO ao conquistador grego (Macedónio) Alexandre Magno, apertando com o seu diadema as feridas de Lisímaco.

    Senhor, tenha o diadema lugar justo,
    que eu temo vê-lo menos respeitado,
    que importa a minha vida ao teu estado,
    se a reservas do estrago para o susto?

    Não pode altivo, o meu valor robusto
    permitir, que o diadema venerado
    fique nestas feridas profanado
    se as recebi por conservar o augusto.

    Se te fez vencedor esta façanha,
    será tanta piedade em tanta glória
    satisfação heróica, mas estranha.

    Não percas no triunfo esta memória,
    que só crescem regados na campanha
    com sangue ilustre os louros da vitória.

    OUTRO soneto a Alexandre em situação idêntica ao anterior.

    Rompe o sacro diadema persuadido
    que fica certamente mais honrado
    nas ilustres feridas de um soldado
    que quando a régia fronte está cingido.

    Felizmente em pedaços dividido,
    do teu sangue na púrpura banhado,
    se até aqui o lograva afortunado
    agora é que o mereço esclarecido.

    Porque heróico às virtudes raras se una,
    com justiça exército esta piedade,
    que aceitar teu valor tanto repugna.

    Remunero igualmente a heroicidade,
    que a vitória é acaso da fortuna,
    e o prémio distinção da majestade.

    SONETO A UM FIDALGO MORTO POR UM TOURO (este vai REPETIDO)

    Dos golpes no confuso labirinto
    morre ao mais duro o touro mais atento,
    pois sendo igual em todos o instrumento
    em tudo o braço heróico o fez distinto.

    Em cólera abrasado, em sangue tinto,
    conhece o bruto o alto régio alento,
    e ilustrando na morte o nascimento
    obrou como a razão o que era instinto.

    Para acabar elege uma ferida,
    mas na eleição a rápida braveza
    passa de irracional, fica estendida.

    E em régia adoração de tanta alteza,
    chega hoje a ser o estrago de uma vida
    mais que injúria, lisonja à natureza.

    Soneto a um coronel, tido como cruel para os seus subordinados, e... zarolho! Este soneto ainda era considerado desrespeitoso em 1855.

    Coronel satanás, Fernão zarolho,
    cruel hárpia das que o abismo encerra,
    na empresa de afligires esta terra
    de que serve o bastão, se tens esse olho?

    Vai-te deitar na granja de remolho
    onde o vilão, porque o escorchas, berra;
    pois não é para o ilustre ardor da guerra
    Abóbora com feitio de repolho.

    Se soubeste juntar com força rara,
    sendo em ti o prender genealogia,
    de galinha o louvor, de mono a cara,

    anda, prende, e "ateima" na porfia,
    pois em Aldegavinha tens a vara
    e n´Ásia, em Cananor, a feitoria.

    Soneto a um pregador, a um "cura", da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida. Este soneto é o ÙLTIMO que chegou até nós de CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, tendo-se perdido muitos, muitos mais...

    Tal sermão, e tão grande, e sem parelha
    do nosso reverendo Frei Palrilha,
    será d´asnos oitava maravilha
    por somente constar de muita orelha.

    Eu quando o vi com cara tão vermelha,
    dizendo as asnidades em quadrilha,
    sem reparar nos calos da servilha
    julguei tudo fumaças da botelha.

    Se o sermão se pregasse na Pampulha,
    de toda a marotice a vil canalha,
    metera muito embora o frade a bulha.

    Mas eu venho a inferir nesta baralha
    que ou o tal frade a todos nos empulha,
    ou ele certamente come palha.

    OS 22 sonetos sobreviventes de Caetano José da Silva Souto-Maior foram "salvos" por José Maria da Costa e Siva, e publicados em 1855. Há outros poemas "sobreviventes"....

  2. Anónimo Says:

    Assunto CORRECÇÃO DO COMENTÁRIO ANTERIOR (COM AS MINHAS DESCULPAS !)
    Carlos Eduardo da Cruz Luna (carlosluna@iol.pt)
    HISTÓRIA E SONETOS COMPLETOS DUM POETA ALENTEJANO DE OLIVENÇA DO REINADO DE D.JOÃO V
    HISTÓRIA E SONETOS COMPLETOS DUM
    POETA ALENTEJANO DE OLIVENÇA DO REINADO DE D.JOÃO V
    CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, UM ALENTEJANO DE OLIVENÇA NA CORTE DE D.JOÃO V E UMA FIGURA POPULAR DE LISBOA
    Caetano Jozé da Sylva Sotomayor (ortografia antiga), modernamente um quase desconhecido, nasceu muito provavelmente em 1694, em OLIVENÇA, filho de Gaspar da Silva Moniz, "Provedor dos Reynos" e de Isabel Teresa Sotomaior, Dama da Rainha D. Maria Ana da Áustria, esposa de D. João V. Faleceu em 18 de Agosto de 1739.
    Note-se que, entre as famílias nobres, e até ao Século XIX, o apelido de pai precedia o de mãe em Portugal, tal como sucede ainda hoje em Espanha.
    Souto-Maior (usando agora a ortografia moderna ) era conhecido, no seu tempo, por "Camões do Rossio". A sua popularidade no Corte de D. João V, e principalmente em Lisboa, deixou rastos, inclusivamente na Literatura. Inácio Feijó e Almeida Garrett escreveram uma comédia intitulada "O Camões do Rossio", o que dá uma idéia de quão conhecido era e de que forma era visto como representando toda uma época. O seu nome foi dado ao actual Largo D. João da Câmara, em frente da Estação do Rossio, até que, na década de 1930, um vereador da Câmara de Lisboa, ignorante, pensando que tal "Camões" se referia ao imortal poeta Luís de Camões, mandou substituir o topónimo, com o argumento de que jà existia em Lisboa uma Praça Luís de Camões. Note-se ainda que Souto-Maior é visto por Feijó e Garrett só como filho de uma época que para eles, liberais, era símbolo de tirania e mediocridade, e, logo, é considerado uma figura ridícula. Um claro exagero, desculpável no contexto das paixões do Sé










    culo XIX.
    Souto-Maior, alentejano, nascido em Olivença, era doutorado em Direito Canónico pela Universidade de Coimbra, tendo começado, todavia, por estudar Latim, em Lisboa, com o Padre Manuel de Abrantes. A 14 de Abril de 1721, fez exame no Desembargo do Paço e foi nomeado Juíz dos Órfãos do Termo de Lisboa. Foi depois Juíz do Crime do Bairro da Mouraria, e, finalmente, Corregedor do Bairro do Rossio de Lisboa desde 3 de Outubro de 1737. Neste cargo o surpreendeu a morte, na sua casa no mesmo Rossio, em 1739.
    Os seus ditos, chistosos, grangearam-lhe cedo a fama de poeta excepcional. Daí que, em Lisboa, o tenham apodado "Camões do Rossio".
    Homem da Corte de D. João V, foi um dos favoritos deste soberana, entre outras coisas pelo seu versejar fácil e jocoso... o que fazia dele um alentejano bem típico... ou talvez um antecessor do tipo de alentejano moderno, poeta perante a vida.
    Curiosamente, muitos dos seus versos conservam-se...manuscritos ! J. M. da Costa e Silva, no final di século XIX, dedicou-lhe um estudo, onde se pode ler, entre outras coisas, que "avultam entre os seus poemas os sonetos, que são em geral bem pensados, fortes de expressão, e bem versificados, não tendo que invejar aos melhores dos poetas seus contemporâneos; foi, sem dúvida, um dos mais distintos discípulos da escola gongórica/barroca, e, como tal, mais por culpa do século do que por falta de talento, transpôs às vezes os limites do Bom Gosto."
    Não é muito apreciado modernamente o estilo gongórico, considerado demasiado "pesado", pela adjectivação excessiva, pelo exagero das metáforas, pela excessiva preocupação com a forma...esvaziando o conteúdo... e escondendo demasiadas vezes a mediocridade artística de alguns e a genialidade de outros. Todavia, muitos destes ataques e caracterizações a esse estilo provêm de homens das épocas literárias imediatamente posteriores, os quais, na ânsia de porem em causa os valores que os tinham precedido, muitas vezes não foram imparciais... misturando o trigo com o joio.
    Caetano José da Silva Souto-Maior era famoso pelas suas anedotas, ajudadas, digamos assim, pelo seu aspecto físico, pois era muito baixo e gordo, "com um rosto redondo de uma expressão estranha, e ornado de uns óculos de um modelo desproporcionado". Os seus ditos engraçados e os seus versos em forma de epigrama tornaram-se uma delícia para os membros da Corte. Por outro lado, receavam atacá-lo, pois as suas respostas, muitas vezes em verso, nomeadamente em sonetos, podiam ser demolidoras.
    O seu aspecto de crítico implacável ressalta de dois poemas típicos que se seguem. No primeiro, satiriza o Monteiro-Mor do Rei, coronel de um regimento, que era muito cruel para com os seus subordinados... talvez para compensar o facto de ser zarolho...
    Coronel Satanás, Fernão zarolho,
    cruel hárpia das que o abismo encerra,
    na empresa de afligires esta terra
    de que serve o bastão, se tens esse olho?

    Vai-te deitar na granja de remolho
    onde o vilão, porque o escorchas, berra;
    pois não é para o ilustre ardor da Guerra
    "abobra" com feitio de repolho.

    Se soubeste juntar com força rara,
    sendo em ti o prender genealogia,
    de galinha o louvor, de mono a cara,

    anda, prende, e ateima na porfia,
    pois em Aldegavinha tens a vara
    e n`Ásia, em Cananor, a Feitoria.

    No outro verso (também soneto ), o "Camões do Rossio" critica um Pregador da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida.
    Tal sermão, e tão grande, e sem parelha,
    do nosso Reverendo Frei Palrilha,
    será d`asnos oitava maravilha
    por somente constar de muita orelha.

    Eu quando o vi com cara tão vermelha,
    dizendo as asnidaddes em quadrilha,
    sem reparar nos calos de servilha,
    julguei tuo fumaças da botelha.

    Se o Sermão se pregasse na Pampulha,
    de toda a marotice a vil canalha,
    metera muito embora o Frade a bulha;

    mas eu venho a inferir nesta baralha
    uqe o tal frade a todos nos empulha
    ou ele certamente come palha.

    Note-se que o "Camões do Rossio", apesar do seu espírito folgazão e "satirizante", era "um erudito de valor, muito estudioso e conhecedor das leis". O Padre D. Manuel Caetano de Sousa, em 1720, escolheu-o para ser membro da Academia Real de História, ao lado de 49 pares. Foi encarregado de escrever as "Memórias Eclesiásticas do Bispado de Leiria". Regularmente, publicava relatórios dos seus estudos académicos, e era assíduo nas reuniões convocadas na Academia, ou noutras instituições. Deixou escritas ( e algumas ainda não publicadas várias obras de carácter jocoso, e até uma colecção de Sonetos Cómicos. Escreveu também composições muito "sérias", como "Epicédios na Morte da Serníssima Senhora D. Francisca, Infanta de Portugal", "Glória de Erice: Epitalâmio ao casamento dos Ex.mos Snrs. D. Francisco Xavier de Meneses e D. Maria José da Graça e Noronha", "Óperas de Metastásio (tradução)", "Catálogo dos Bispos de Leiria", "Contas dos Estudos Académicos do Paço", e "Silva e










    Romance ao ser reeleita Abadessa de Santa Clara de Lisboa a Madre D. Margarida Bautista". Num estilo completamente diferente, a que adiante se fará ampla referência, terá escrito "A Martinhada".
    Caetano José tinha mesmo alguma qualidade. Afinal, ele nem sequer escreveu principalmente poemas satíricos, como veremos nos dois sonetos seguintes.
    O primeiro destinava-se a uma Dama da Corte, e procurava convencê-la a viver a vida, e a não continuar doentiamente a chorar em frente a uma pintura que representava a sua mãe falecida.
    Senhora, esse retrato, esse portento
    tanta saudosa dor nunca alivia,
    que a memória da amada companhia
    não melhora, duplica o sentimento.

    Lembrado, o bem perdido é mal violento,
    e ofende essa pintura a fantasia.
    Não pode ser remédio, é tirania
    fazer parcial do dano o entendimento.

    Fugi dessa belíssima aparência
    que o pranto justamente vos persuade
    que as lágrimas fez crédito de ausência.

    E o vosso amor, das cores na verdade,
    há-de achar, para abono da impaciência,
    a formosura unida co`a saudade.

    O outro punha Afonso de Albuquerque, numa atitude generosa. O polémico guerreiro teria deixado perderem-se num naufrágio muitas riquezas para salvar uma menina indiana de ser tragada pelas águas. É supostamente Albuquerque que fala, dirigindo-se ao mar.
    Não assustes, oh bárbaro elemento,
    a inocente, que tenho ao peito unida,
    que a glória desta acção compadecida
    respeita até das ondas o violento.

    Tu logras o furor, eu logro o intento
    de ficarmos com sorte repartida.
    Asilo nobre de uma tenra vida
    sepulcro avaro de ouro macilento.

    Se tenho a varonil integridade,
    que consegues no horror dessa inclemência
    ou que importa a infeliz calamidade ?

    Quando fica no exemplo da violência
    desprezado o interesse da piedade
    e vencida a desgraça da inocência.

    D. João V mostrou ter grande predilecção pelo jocoso juíz académico, consentindo-lhe o que a outros não consentiria... como veremos. Caetano José, sentindo-se apoiado pelo Rei, aproveitava-se disso para fazer várias "travessuras" que, em última análise, divertiam a Corte.
    Algumas vezes acompanhou o Soberano, que apreciava a sua companhia, nomeadamente ao Convento de Odivelas, onde estava a amante do Rei (Madre Paula) e onde este, divertido, punha o seu matreiro versejador, com os seus poemas inigualáveis e a sua alegria irónica, em confronto com "a audácia travessa de algumas freirinhas também dadas à poesia"...
    Enquanto magistrado, era conhecido como uma pessoa correcta e íntegra no cumprimento dos seus deveres, sendo muitas vezes encarregado de importantes e difíceis missões oficiais. O poeta sabia, com graça, fazer-se perdoar pelo Rei quando agia de forma menos convencional.
    Pelas histórias que dele se contavam, podemos considerá-lo como uma espécie de Bocage prematuro, no que deste se mitificou quase sempre sem fundamento. Contavam-se histórias divertidas sobre respostas prontas, cheias de inteligência ( e em verso ) dades por Caetano José em situações embaraçosas, ou perante gente com más intenções. Entre tudo isto, o povo de Lisboa considerava-o como um dos poucos magistrados honestos que nela tinham exercido cargos.
    Dois episódios, referidos por José Maria da Costa Silva ("Ensaio biographico-crítico sobre os Melhores Poetas Portugueses", 1855), destacam-se de muitos outros.
    O primeiro refere-se a uma ordem de prisão que Caetano José, enquanto Corregedor, teve de fazer cumprir, ainda que fosse amigo do perseguido. Este, vendo a sua casa cercada, refugiou-se no telhado, donde não houve maneira de o fazer descer. Caetano José vislumbrou no facto uma esperança, e cooreu ao Paço, onde, com um ar inocente, e sem entrar em razões, perguntou a D. João V se considerava que governava só das telhas para baixo, ou se também das telhas para cima. O Rei, algo intrigado, respondeu que naturalmente das telhas para cima "só Deus tinha Domínio". O Corregedor e poeta agradeceu, e, correndo a juntar-se aos seus homens, mandou levantar o cerco "por sugestão d`el-Rei", salvando assim o amigo. O Rei acabou por achar graça à astúcia, e perdoou.
    Mas Caetano José tinha também espírito crítico, e talvez até alguma consciência social, como se verá no segundo episódio.
    Numa noite, o Corregedor procurava, com um marido desesperado, um confessor para a esposa deste, que estava a morrer. Na Casa Professa dos Jesuítas, em São Roque, foi-lhe dito que os Padres da Companhia não podiam sair, fosse para o que fosse, depois das Avé-Marias, ao entardecer. Foi preciso procurar um Padre de outra Ordem.
    Ferido com o que considerou uma indignidade, vingou-se Caetano José dias depois, ao encontrar dois jesuítas na rua por volta das duas da noite. Deu-lhes ordem de prisão, apesar dos protestos e dos hábitos que vestiam e para os quais chamaram a atenção. Na manhã seguinte, foi chamado ao Paço, onde o Prelado dos Jesuítas, indignado, reclamava justiça junto de D. João V. Respondeu-lhes o Corregedor dizendo que se convencera estar diante de dois ladrões disfarçados de Jesuítas, por saber que os Padres dessa Ordem não saíam de noite, nem sequer para uma confissão de uma moribunda. O Rei, algo divertido, deu ordem de libertação. Caetano José procedeu à mesma de imediato, o que era também uma vingança, pois assim o povo da Capital viu sair da vergonhosa prisão, furiosos, os dois frades, o que era uma humilhação para uma Ordem que pretendia dar exemplos a toda a gente.
    As já referidas semelhanças com Bocage foram também a maior maldição do "Camões do Rossio". O nosso Caetano José resolveu "publicar"(se é que dele partiu a iniciativa...), anónima e clandestinamente, uma obra onde entravam prostitutas, pedintes, poetas de rua, vagabundos, e ladrões. Tratou-se de "A Martinhada", que era, nem mais nem menos, que um poema épico-cómico-erótico satirizando a sensualidade brutal de Frei Martinho de Barros, o confessor de D. João V durante algum tempo, tido como femeeiro insaciável... e de quem se dizia ser possuidor de um atributo viril de dimensões colossais.
    Nunca se provou ser ele de facto o autor, mas a certeza foi quase absoluta. No seu tempo, tal não abonou em seu favor, e tal obra valeu-lhe o desprezo dos críticos do Século XIX ( e mesmo de parte do XX), "em cujos hábitos de leitura não entravam devassidões nem leviandades"... pelo menos publicamente. Curiosamente, quase todos tecem discretos elogios ao poema e às capacidades e génio do autor, todos surpreendidos por ser precisamente nele que se encontram algumas das melhores demonstrações do "estro" de Caetano José... pela simples razão, opina-se hoje, de, num texto de tal teor, semi-anónimo, o autor não ter sido obrigado a sujeitar-se à moda literária da época.
    Dir-se-ia que uma espécie de anátema ficou a rodear o "Camões do Rossio". Uma manifesta injustiça rodeia o quase esquecimento em que caiu. Não tinha, decerto, o génio de um Bocage. Mas, numa última comparação com este, pergunta-se: o que seria de Bocage, um dos maiores poetas portugueses por todos reconhecido, se, em nome das suas obras eróticas, se silenciasse toda a sua obra ?
    Não se deveria esquecer também que quase todos os grandes poetas e escritores em geral, como se sabe hoje, em qualquer momento da sua vida, caíram na tentação de produzir textos eróticos...
    A morte de Caetano José, com cerca de 45 anos, foi bastante sentida, nomeadamente pelo povo de Lisboa, que o sentia como um dos seus,e que, mais de cem anos depois, ainda o recordava. À data em que faleceu, não lhe faltaram louvores, nomeadamente de outros poetas. Recorde-se apenas um soneto do Padre Francisco Ribeiro de Miranda.

    Em louvor do "Camões do Rossio"
    (À sua morte...)

    Não chores Portugal a sorte escura,
    reprime a dor, suspende na saudade,
    porque da bela Infanta a divindade
    já triunfa imortal da Parca dura.

    Dessa Silva a elegante arquitectura
    lê, e verás como hoje te persuade,
    que viva existe para a eternidade
    contra estragos da morte, e sepultura.

    Esta obra, ó Orfeu esclarecido,
    de objecto singular, e fama altiva,
    mais que todos te deixa enobrecido:

    pois vencendo o poder da Parca esquiva,
    faz que a cinza o cadáver reduzido
    de espírito animado, eterno viva.

    Pela sua genialidade, pela sua dedicação a Lisboa, pelos anátemas que o seu nome tem sofrido, pela simpatia de que gozava entre a população da Capital Portuguesa, pareceria bem justa, só pecando por tardia, a atribuição do seu nome a um qualquer topónimo da urbe onde viveu e morreu... mesmo por que na sua terra natal parece também estar cada vez mais esquecido.
    Estremoz, texto revisto em 12 de Março de 2006,
    Carlos Eduardo da Cruz Luna,
    Rua General Humberto Delgado, 22, r/c 7100-123-ESTREMOZ (Portugal) 268322697 939425126
    Prof. História carlosluna@iol.pt

    BIBLIOGRAFIA:
    - Ensaio biographico-crítico sobre os melhores Poetas Portugueses- José Maria da Costa e Silva, 1855
    - A Corte de D. João V- Pinheiro Chagas
    - O Camões do Rossio- Inácio Maria Feijó/Almeida Garrett
    - O Voador- Francisco Maria Bordalo
    - A Martinhada (Camões do Rossio)- Colecção Contramargem, edições "& etc", Janeiro 1982
    - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1960
    - Dicionário de História de Portugal - Vol. III, Alfa, 1986
    - Dicionário da Literatura Portuguesa, Ed. Presença, org. Àlvaro Manuel Machado, 1996
    - Do Pícaro na Literatura Portuguesa- João Palma Ferreira, 1981, Bibl. Breve- Inst. Cult. e Língua Port.
    - Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Publ. Europa-América, Inst. Port. Livro, vol. 1, 1985
    - Colecção Portugal Histórico, vol. 6 (D. João V, Rei Absoluto), Fernando Mendes, Ed. Romano Torres, 1935 (?)



    SIMPLES CURIOSIDADE HISTÓRICA: SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    SONETOS COMPLETOS (os 22 SOBREVIVENTES...) DO OLIVENTINO CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR (1694-1739)
    Soneto dedicado à mártir cristã Santa Bárbara, quando era despida pelos seus algozes

    Virgem bela, não julgues tirania
    ser despojada desse adorno insano;
    não se cobre um planeta mais que humano
    e despido aparece à luz do dia.

    Toda espírito o orbe te advertia,
    e o decreto infalível do tirano,
    mostrou que em ti, com raro desengano,
    no mortal o imortal não se encobria.

    A beleza, em que o véu ditas apura
    desprezando essas galas infelices (*),
    brilha triunfante, resplandece pura.

    Jesus foi, não violento que existisses
    sem manchas no esplendor da formosura,
    porque vestido o Sol padece eclipses.
    ___________
    (*)Forma moderna: infelizes

    Soneto a D. João V (o Rei !), mandando celebrar exéquias do Papa Clemente XI

    Túmulo excelso a régia potestade
    na morte erige do Pastor Romano,
    qu`o afecto do Monarca Lusitano
    excede a vida, e chega à eternidade.

    No sentimento empenha a majestade,
    pois vendo que da Parca o raio insano
    profanou o alto Sólio Vaticano
    a obediência converte hoje em piedade.

    Das cinzas frias à memória rara,
    na funesta, magnífica estrutura,
    Triunfo, ´inda que fúnebre, prepara.

    Pois nesse altivo mausoléu procura
    que pareça o respeito da tiara
    ornato, e não despojo, à sepultura.

    Soneto dirigido ao príncipe, por ocasião do beija-mão

    Da Líbia ardente o morador adusto
    teme o ver-me, senhor, de vós honrado,
    pois nessa mão se admira vinculado
    de Lísia (*) o bem, da Mauritânia o susto.

    Receia que esse braço, sempre augusto,
    dos portugueses todos adorado
    seja com vaticínio antecipado
    pródigo de valor triunfante, e justo.

    Conhece que os turbantes orgulhosos
    cheguem, senhor, a ter tantos perigos
    quantos tendes agrados decorosos.

    Publique a minha dita os seus castigos,
    que a mão, que fez vassalos venturosos
    é o mais certo terror dos inimigos.
    ___________
    (*) figura mitológica greco-latina

    Soneto a uma Senhora nobre que fugiu para Espanha com um Marquês, tendo-se depois arrependido e recolhido a um Convento

    Esse claustro, em sagrada penitência,
    pio te esconda, oh bela criminosa,
    econverta-se em sombra a luz formosa
    que ardeu nos sacrifícios da indecência.

    Tolera da prisão toda a violência,
    perdida já a nobreza generosa,
    fique ainda entre a culpa indecorosa,
    benemérita, ao menos a paciência.

    Principia a morrer nessa clausura,
    encobrindo um descrédito infinito
    no antecipado horror da morte obscura.

    Mas, oh!, se em ti, por último conflito,
    como vai sendo a vida sepultura,
    chegasse a ser cadáver o delito!

    Segue-se um poema que NÃO É DE CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, mas sim de Francisco de Pina e Melo, elogiando o Escurial e o Panteão dos reis de Espanha. Tem interesse, porque Caetano José fará outro em relação com este.

    Que intenta esta soberba arquitectura
    com tão régio, marmóreo luzimento?
    Se mostra aqui distinto o nascimento,
    erra, que é tudo igual na sepultura.

    Por mais que doure a face à morte escura
    nunca há-de desmentir o monumento;
    que vale o resplendor do fingimento
    aonde existe a sombra da figura?

    Quanto mais se mostrar engrandecido
    maior espelho oferta à vaidade
    vendo-se como é, não como ha(*) sido.

    Pois de que serve a fúnebre deidade,
    se ainda para objecto do sentido
    primeiro está o horror que a majestade?

    ___________
    (*) arcaísmo já pouco habitual no século XVIII.

    Caetano José fez o seguinte poema como resposta:

    Padrões dedica a infausta arquitectura
    à majestade a cinzas reduzida,
    que sempre da grandeza destruída
    alguma parte nas relíquias dura.

    Da régia dignidade a sombra escura
    até no último horror "esclarescida",
    se não chega a eximir do estrago a vida
    pode honrar no diadema a sepultura.

    Na urna o ceptro, melhorado o efeito,
    faz com que triste advirta o peito humano
    as cinzas, que se intimam no preceito.

    Que importa pois que brilhe o jaspe ufano,
    onde toda a vaidade é só respeito,
    e é somente respeito o desengano?

    Poema a uma dama que foi ingrata com o seu amante e que chorava muito por o ver ofendido (nota: este poema não foi publicado no século XIX, nem no XX, por ser considerado, sabe-se lá porquê hoje em dia, erótico!)

    Tarde de ingratidão, Clori(*), despertas,
    pois, trocando à piedade hoje o conceito,
    se ofendeste com erros o meu peito,
    sentindo os meus estragos, desacertas.

    Vê que em mim podem ser penas mais certas
    feridas d`alma, que, com nobre efeito,
    o coração em lágrimas desfeito
    pelos olhos te mostras sempre abertas.

    Se entre chamas terríveis me arrebatam
    de amor, e emulação ardentes lumes,
    pouco, oh Clori(*), outras queixas me maltratam.

    Erras, se morto acaso me presumes,
    que imortal devo ser, poi não me matam
    nem os teus olhos, nem os meus ciúmes.
    ________
    (*) Clori: deusa grega das flores; significa "a mulher".

    Soneto a uma dama "rigorosa", na qual se notam paixão e melamcolia.

    Divina, Filis(*) bela, eu te agradeço
    dos teus rigores a contínua instância,
    que antes, meu bem, da minha tolerância
    não merecia o mesmo, que mereço.

    Se o meu pesar do teu desdém foi preço,
    que adquiriu entre penas a constância,
    não quero a dita, quero a só jactância
    de que me deves tudo o que padeço.

    Não tenho nem temor, nem resistência
    aos males, a que o peito não repugna,
    indistinta a paixão, e a paciência.

    Hoje até a glória me será importuna,
    e amor, que fez costume da violência
    fará também desprexo da fortuna.
    ________
    (*) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final INFELIZ.

    Soneto a uma dama que disparou um tiro (!!!!) contra uma imagem de cupido, num acesso de despeito...amoroso, claro!

    Do seio de Vulcano(*) um golpe ardente
    dispara Filis(**) contra a seta(***) ervada,
    de um Cupido, que deixa por cortada
    alfaia inútil, se troféu pendente.

    Mas não foi esta acção porque hoje intente
    Filis(**) mostrar-se contra Amor irada,
    foi saber se frustrara, estando armada,
    golpe que o abismo teme, e que o céu sente.

    Rendeu-se Amor ao tiro, e as armas logo
    oferta a Filis(**) no mortal desmaio,
    em que acha o rendimento desafogo.

    Por que se veja no primeiro ensaio,
    que se dos corações Amor é fogo,
    das almas, e do Amor, Filis(**) é raio!
    ___________
    (*) Vulcano: Deus do fogo entre os romanos
    (**) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final INFELIZ.
    (***)ATENÇÃO: em português, "seta" significa FLECHA !!!

    SONETO dedicado a uma senhora que charava dias inteiros diante da pintura da mãe, falecida há pouco

    Senhora, esse retrato, esse portento
    tanta saudosa dor nunca alivia,
    que a memória da amada companhia
    não melhora, duplica o sentimento.

    Lembrado, o bem perdido é mal violento,
    e ofende essa pintura a fantasia;
    Não pode ser remédio, é tirania
    fazer parcial do dano o entendimento.

    Fugi dessa belíssima aparência,
    queo pranto justamente vos persuade
    que as lágrimas faz crédito de ausência.

    E o vosso amor, das cores na verdade,
    há-de achar, para abono da impaciência,
    a formusura unida com a saudade.

    SONETO a uma dama que enviou, zangada, ao poeta, uns escritos que deste recebera... e que ele queimou.

    Morrei, doces despojos, que algum dia
    fostes de Clori(*) persuasão gloriosa,
    que a chama, ainda que triste, venturosa,
    vai conservar no fogo a idolatria.

    Para desprezo ser de Clori ímpia
    basta arder nessa luz pouco formosa,
    porque da chama, que é menos preciosa,
    não fica sendo a cinza menos fria.

    Não fostes cridos, viestes desprezados,
    e das iras de Clori como objectos
    sereis sempre uma injúria aos meus cuidados.

    Eu só posso mostrar nestes afectos,
    fazendo-vos agora desgraçados,
    que sois constantes, e que sois discretos.
    ______
    (*) Clóri: deusa grega das flores; a "Mulher".

    Poema a uma dama que o poeta não quis ver, depois dela ler alguns versos.

    Para venceres basta um só portento,
    pois não foram em tudo sempre claras
    as vitórias, se acaso acompanharas
    com outro encanto o numeroso acento.

    Se a minha vida, e o meu entendimento
    já dos teus versos são vítimas raras,
    serias, se o resplendor não retiraras
    menos avara, e eu menos atento.

    Outro espírito influi reverente
    se hás-de mostrar teu rosto esclarecido,
    que um, que tinha, está preso felizmente.

    Ou cesse o agrado harmónoco do ouvido,
    que hei-de expor a teus olhos indecente
    sem mais uma alma, ou menos um sentido.

    Soneto dedicado a Francisco Dionísio de Almeida, morto na juventude.

    Reduzir esta vida à ombra escura,
    na mais discreta, e mais florida idade,
    é da morte fatal temeridade
    com que infama os decretos da Ventura.

    Que avisos, ou que exemplos nos procura,
    se ofendido o discurso da impiedade,
    toda a ira, a que a perda nos persuade,
    faz esquecer o horror da sepultura?

    Inveja a Parca o raro entendimento
    que agora nos roubou, e ao golpe astuto
    sirva de injúria o mesmo monumento.

    Porque ´inda que o morrer seja estatuto,
    da saudade consegue o sentimento
    que pareça vingança o que é tributo.

    Soneto dedicado à morte do jovem fidalgo Marquês de Gouveia.

    Não extingue da morte o atrevimento
    em Múcio(*) excelso a ilustre heroicidade,
    muda-lhe só na iníqua austeridade
    os cultos do palácio ao monumento.

    Rendeu-lhe aclamações o orbe atento,
    e hoje o busca no túmulo a saudade,
    mas tão distinto o excesso na vontade
    quanto vai da lisonja ao sentimento.

    Mas intenta triunfar a morte dura,
    que o afecto triste do sepulcro fia
    na saudosa atenção à fé mais pura.

    A memória consagra a tirania,
    porque entregue a lembrança à sepultura
    faz sempre religiosa a idolatria.
    ________
    (*) Múcio: herói da Antiga Roma.

    Soneto dedicado à espada de Pedro Mascarenhas, nobre guerreiro, enfim no sossego da Paz.

    Pendurêa(*) entre louros infinitos
    Mascarenhas, o grande, a heróica espada:
    porque em ara imortal seja adorada,
    troque o mundo os assombros pelos ritos.

    Se inveja foi dos Césares invictos,
    deixe hoje na razão imaginada
    a série dos prodígios, que admirada
    não pode ser no ardente dos conflitos.

    Cause respeito, se causou desmaio,
    que admirado, e rendido eu já contemplo
    Pisuerga, Pirinéu, Ebro, e Moncaio.

    Descanse a espada, e a Fama no seu templo
    em ídolo converta o que foi raio,
    chegue a fazer deidade o que era exemplo.
    __________
    (*) arcaísmo.

    Soneto a Afonso de Albuquerque, conquistador português na Índia, numa ocasião em que, para salvar uma jovem indiana, deixou que se perdesse, num naufrágio, a carga preciosa.

    Não me alteras, oh mar, sempre violento
    na fúria destas ondas repetida,
    se estou, sendo remédio de uma vida,
    contra todo o furor deste elemento.

    Nos estragos me adquires novo alento,
    pois ficamos com glória esclarecida,
    eu assunto da fama encarecida,
    tu da riqueza avaro monumento.

    Pereça a oriental preciosidade,
    e exista a honra da feliz violência,
    que foi maior que a dita a adversidade.

    Porque fica, apesar desta inclemência,
    superado o interesse da piedade,
    e a desgraça vencida da inocência.

    Outro SONETO, dedicado ao mesmo tema do anterior SONETO AS UM SALVAMENTO MARÍTIMO, APÓS UM NAUFRÁGIO DE UMA JOVEM INDIANA POR UM GRANDE GENERAL PORTUGUÊS(O POETA IMAGINA SER O GENERAL)

    Não assustes. oh bárbaro elemento,
    a inocente, que tenho ao peito unida,
    que à glória desta acção compadecida
    respeita até das ondas o violento.

    Tu logras o furor, eu logro o intento
    de ficarmos com sorte repartida:
    asilo nobre de uma tenra vida;
    sepulcro avaro de ouro macilento.

    Se tenho a varonil integridade,
    que consegues no horror dessa inclemência,
    ou que importa a infeliz calamidade?

    Quando fica no exemplo da violência
    desprezado o interesse da piedade,
    e vencida a desgraça da inocência.


    Soneto ao Rei D. Pedro II, que, por ter morrido, não chegou a ver a sua própria estátua de pedra.

    Senhor, a vossa efígie venerada
    é por vós com razão desconhecida;
    porque ficou na cópia pareceda
    de reverente a pedra desmaiada.

    Que importa que do artífice lavrada
    pareça que o cinzel lhe infunde a vida,
    se a grandeza só pode esclarecida
    ser nas vossas vitórias retratada?

    Estranhais esta imagem justamente,
    se a luz original está diante,
    o reflexo perdeu-se de repente.

    ´Inda sendo o retrato semelhante,
    porque em chegando o Sol a estar presente,
    mudam sempre as estrelas de semblante.


    SONETO ao conquistador grego (Macedónio) Alexandre Magno, apertando com o seu diadema as feridas de Lisímaco.

    Senhor, tenha o diadema lugar justo,
    que eu temo vê-lo menos respeitado,
    que importa a minha vida ao teu estado,
    se a reservas do estrago para o susto?

    Não pode altivo, o meu valor robusto
    permitir, que o diadema venerado
    fique nestas feridas profanado
    se as recebi por conservar o augusto.

    Se te fez vencedor esta façanha,
    será tanta piedade em tanta glória
    satisfação heróica, mas estranha.

    Não percas no triunfo esta memória,
    que só crescem regados na campanha
    com sangue ilustre os louros da vitória.

    OUTRO soneto a Alexandre em situação idêntica ao anterior.

    Rompe o sacro diadema persuadido
    que fica certamente mais honrado
    nas ilustres feridas de um soldado
    que quando a régia fronte está cingido.

    Felizmente em pedaços dividido,
    do teu sangue na púrpura banhado,
    se até aqui o lograva afortunado
    agora é que o mereço esclarecido.

    Porque heróico às virtudes raras se una,
    com justiça exército esta piedade,
    que aceitar teu valor tanto repugna.

    Remunero igualmente a heroicidade,
    que a vitória é acaso da fortuna,
    e o prémio distinção da majestade.

    SONETO A UM FIDALGO MORTO POR UM TOURO (este vai REPETIDO)

    Dos golpes no confuso labirinto
    morre ao mais duro o touro mais atento,
    pois sendo igual em todos o instrumento
    em tudo o braço heróico o fez distinto.

    Em cólera abrasado, em sangue tinto,
    conhece o bruto o alto régio alento,
    e ilustrando na morte o nascimento
    obrou como a razão o que era instinto.

    Para acabar elege uma ferida,
    mas na eleição a rápida braveza
    passa de irracional, fica estendida.

    E em régia adoração de tanta alteza,
    chega hoje a ser o estrago de uma vida
    mais que injúria, lisonja à natureza.

    Soneto a um coronel, tido como cruel para os seus subordinados, e... zarolho! Este soneto ainda era considerado desrespeitoso em 1855.

    Coronel satanás, Fernão zarolho,
    cruel hárpia das que o abismo encerra,
    na empresa de afligires esta terra
    de que serve o bastão, se tens esse olho?

    Vai-te deitar na granja de remolho
    onde o vilão, porque o escorchas, berra;
    pois não é para o ilustre ardor da guerra
    Abóbora com feitio de repolho.

    Se soubeste juntar com força rara,
    sendo em ti o prender genealogia,
    de galinha o louvor, de mono a cara,

    anda, prende, e "ateima" na porfia,
    pois em Aldegavinha tens a vara
    e n´Ásia, em Cananor, a feitoria.

    Soneto a um pregador, a um "cura", da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida. Este soneto é o ÙLTIMO que chegou até nós de CAETANO JOSÉ DA SILVA SOUTO-MAIOR, tendo-se perdido muitos, muitos mais...

    Tal sermão, e tão grande, e sem parelha
    do nosso reverendo Frei Palrilha,
    será d´asnos oitava maravilha
    por somente constar de muita orelha.

    Eu quando o vi com cara tão vermelha,
    dizendo as asnidades em quadrilha,
    sem reparar nos calos da servilha
    julguei tudo fumaças da botelha.

    Se o sermão se pregasse na Pampulha,
    de toda a marotice a vil canalha,
    metera muito embora o frade a bulha.

    Mas eu venho a inferir nesta baralha
    que ou o tal frade a todos nos empulha,
    ou ele certamente come palha.

    OS 22 sonetos sobreviventes de Caetano José da Silva Souto-Maior foram "salvos" por José Maria da Costa e Siva, e publicados em 1855. Há outros poemas "sobreviventes"....

  3. Anónimo Says:

    OLIVENÇA É POESIA
    (ou "A POESIA DE OLIVENÇA")

    Olivença, fonte de tanta poesia,
    cidade tão cheia de encantos,
    de variadas belezas elegia,
    de memórias de heróis e santos.

    Em tuas casas, em cada frontaria,
    se vêem motivos para cantos,
    seja em palácios de fidalguia,
    seja em mais humildes recantos.

    Diante de cada Igreja, um poema!
    Olhando as muralhas, uma rima!
    Em cada rua, "sente-se" um tema!

    Nas aldeias, com o Sol por cima,
    e no meio da brancura extrema,
    surge inspiração que te sublima!

    Estremoz, 06 de Outubro de 2008
    Carlos Eduardo da Cruz Luna

    carlosluna@iol.pt